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Planejamento didático: scaffold, mind the gap, PCK e outras diabruras…
- outubro 2, 2017
- Postado por: singularidades singularidades
- Categoria: Notícias
Se você parou para ler este texto, com certeza foi por conta deste título! Que loucura seria essa? Vamos lá, vou tentar aproximá-lo das diabruras que pretendo explorar.
Scaffold e Mind the Gap são ambas expressões inglesas. A primeira significa andaime e a segunda nos remete a estar atento, prestar atenção por onde estamos indo. Quanto a sigla PCK, novamente em inglês, “Pedagogical Content Knowledge”, podemos tomar como “Conhecimento Pedagógico do Conteúdo”.
Scaffold
Para pensar sobre o scaffold e dar clareza a ideia, podemos recorrer as rodinhas de apoio que os adultos instalam nas bicicletas (objeto de ação assistida). Com as rodinhas, as crianças são incentivadas para uma aprendizagem. O scaffold, as rodinhas, são um objeto, e não uma ação. Não quer dizer, portanto, que estamos escorando, sustentando e muito menos que queremos gerar uma situação de dependência, mas que estamos cuidando de um processo. Assim, as rodinhas são um objeto com uma função especifica e trazem a certeza de que serão removidas.
Aqui temos uma diabrura (traquinagem ou arte) do planejamento didático. Ao planejar as aulas, não seria relevante pensar nos andaimes que podemos introduzir para ajudar os estudantes na construção do conhecimento? Claro que estes podem ser de variadas naturezas, mas um recurso interessante, seria cuidar do tempo de contato com o novo, com supervisão e apoio. Deixar os alunos entrarem em contato com uma ideia, conceito, procedimento para que possam experimentar, testar, interpretar, pode ser um andaime interessante. Mas de certo, que isso exige assistência.
Não oferecemos a bicicleta para a criança e as deixamos sozinhas, a mercê da própria sorte. Estamos assistindo, verbalizando, a partir das ações e tentativas que a criança está pondo em marcha, sugestões de possibilidades do que poderia fazer para o domínio buscado. Uma vez alcançado, retiramos as rodinhas. Mas as crianças não param de aprender por conta disso – sem as rodinhas, sentindo-se potentes, iniciam novas experimentações, como tentar pedalar sem as mãos no guidão (!!), diferentes tipos de freadas, manobras mais radicais. Não lembram mais das rodinhas, mas sentem que podem mais.
Mind the gap
E o “mind the gap”? Bem, isso é um lembrete para o professor! Em sua condução, o professor deve estar atento, concentrado naquele momento, reconhecendo que é uma peça importante para os alunos – estando ciente de que os estudantes não devem hesitar ao passar “do trem para a plataforma” ou que ele mesmo, o professor, acabou por perder uma oportunidade de ajuda-los “a saltar”.
Todos esses pontos, de atenção e cuidados, estão contidos no PCK de cada professor, no conhecimento que articula tanto de conteúdo específico quanto de conteúdo pedagógico. Com os anos de prática, os professores acumulam uma grande variedade de exemplos, analogias, exercícios e atividades atraentes para os alunos, mas, por vezes, não conseguem integrar, intencionalmente, seus conhecimentos de conteúdo com seus conhecimentos pedagógicos.
Experiência no curso de Matemática
Estas ideias todas que estou lançando, vieram ao acompanhar o trabalho de um professor. O episódio chegou-me na forma de fotos de uma aula e de um registro sobre o que estava em processo.
Especificamente, o material foi oferecido por um dos professores da licenciatura em Matemática do Instituto Singularidades – uma sequência de imagens de seus alunos, portanto, futuros professores de Matemática, construindo pipas. Num primeiro olhar, pareceu-me inusitado que adultos (ainda que jovens), estivessem tão entretidos com aquela atividade. A leitura do texto redigido pelo professor alterou a forma como interpretei as imagens. Passei a ver alunos detidos numa tarefa, assistidos por um professor, enfrentando as dificuldades tanto manuais quanto conceituais, de colocar os palitos no melhor ângulo, que fosse base para a construção de um polígono.
Alunos da Licenciatura em Matemática do Instituto Singularidades, apresentando variações de polígonos construídos em aula. Fonte: arquivo institucional.
Sim, as imagens revelavam um scaffold – o professor apresentou um andaime para a aprendizagem dos alunos e ficou com eles, lançando questões, alimentando discussões. Permitiu que cada um, não só construísse seu polígono (sua pipa), como também, na aula seguinte, explanassem sobre os elementos envolvidos, sem ter que recorrer às pipas como apoio. O tempo didático destinado ao desafio, o objeto pipa e a assistência permanente durante o processo se configuram como andaimes, sendo introduzidos e retirados durante a construção de algo significativo. Enquanto os alunos “pedalavam” o professor foi retirando as “rodinhas”, estando atento às necessidades de cada um e buscando não perder oportunidades (mind the gap).
Há então um importante elemento a considerar, o PCK do professor. O planejamento desta aula exigiu que ele mobilizasse tanto seus conhecimentos sobre polígonos, como também seus conhecimentos pedagógicos – estratégia, epistemologia do conhecimento, zona de conhecimento proximal e tantas outras referências importantes do campo didático pedagógico.
Considerando que este professor estava ensinando futuros professores, não há como negar que outras aprendizagens, além dos polígonos, estavam em construção – planejar e conduzir uma aula, operar em conjunto conteúdos específicos da Matemática e conteúdos pedagógicos, avaliar o processo de formas diferenciadas. Para além disso, oferecer um bom exemplo de como se ensina é algo que auxiliará na consolidação, durante a formação inicial, de um PCK sólido, que colocará estes licenciandos numa condição de ação responsável pela aprendizagem de seus futuros alunos.
Estas reflexões estão postas sobre um exemplo de formação de professores, de certo, diferenciada. Sem dúvida é uma preocupação, uma marca do Instituto Singularidades formar professores na perspectiva da integralização, de altos PCKs, de respeito e acompanhamento das aprendizagens de seus alunos. Mas creio que também sirva de reflexão para professores já formados, para aqueles que lidam diariamente com o ofício de ensinar. E aí, você professor, como enfrenta estas questões? Você pensa nos andaimes que poderá se valer para ajudar seus alunos a aprenderem? Você reúne todo conhecimento que dispõe para planejar suas aulas? Põe sobre a mesa o que sabe sobre aprendizagem, sobre didática, metodologias, estratégias e avaliação?
Margareth Polido Pires coordena o curso de licenciatura em Matemática do Instituto Singularidades. Contato: [email protected]
Fonte: Blog do Estadão – https://goo.gl/oEmVoj