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Projeto de criação e apropriação do patrimônio urbano: poste (Parte II)
- março 19, 2018
- Postado por: singularidades singularidades
- Categoria: Notícias
Com a experiência do morro do Querosene, que compartilhei no post anterior, surgiu a ideia de levar adiante esse projeto com meus alunos de artes da Graduação e da Pós-graduação no Instituto Singularidades. A necessidade da expressão plástica é evidente desde as pinturas da pré-história: os grafites de hoje são a expressão contemporânea da arte rupestre.
O projeto de pintar os postes foi aceito sem questionamento pelo grupo. Fomos com a cara e a coragem. Segundo Guimarães Rosa, em Grande Sertão: Veredas, “o correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem.” Coragem era preciso, pois estava inaugurando o ato de intervir publicamente, pintando os postes da avenida, expondo os alunos, sem saber ao certo o que poderia acontecer e como seriam as reações…estávamos inaugurando uma ação estético-transgressora.
Preparação para a ação
Os alunos ficaram excitados; tem coisa melhor que aluno excitado, curioso, desafiado? Fomos todos juntos a uma loja de tecido escolher as chitas.
De volta para a faculdade, os alunos, em pequenos grupos, começaram a recortar as chitas; esta atividade propicia a sensação de um tempo em suspensão, uma pausa para conversas, para as pessoas falarem e ouvirem, se conhecerem melhor, enquanto fazem seus recortes.
Arte democrática
Na aula seguinte, cada grupo escolheu um poste, nas imediações da escola para a realização do trabalho.
A arte realizada na rua é democrática, possibilita o diálogo imediato e direto entre o “artista” e os espectadores (os alunos não são artistas, mas se sentem artistas e ficam tão realizados depois que terminam suas pinturas, que se referem aos postes como obra de arte).
Fomos pintando nas ruas ao redor da faculdade e, a partir daí começamos a interferir em outros espaços. Os moradores dos arredores ficam muito surpresos quando encontram os autores daqueles “belíssimos trabalhos”, param para conversar, saber de onde viemos, quem somos, agradecem muito por melhorarmos o visual da rua e acabam sempre pedindo que façam em frente de suas casa. Até a polícia, que ronda pelo bairro, aprecia as pinturas. O soldado “Florindo” (veja só que nome adequado para a situação) ao nos ver colando as flores das chitas, olhou, observou, e de repente, não se aguentou e disse: “precisava de um desses lá no meu bairro, pra deixar a rua mais bonita”. De fato é um prazer imensurável oferecer aos cidadãos um momento de encontro com o belo, proporcionar perplexidade, deslumbramento, fazer acreditar que são possíveis iniciativas voluntárias em nome de um bem coletivo, que a arte pode ser um meio de transformação, de paz, de agrupamento, de ligação. Um projeto que faça sentido, que signifique algo importante na vida dos alunos, dispensa chamada, nota ou qualquer ferramenta acadêmica de contenção.
A obra conversa conosco e é preciso ouvi-la. Na arte temos que garantir o espaço para a criação, para o inusitado, o inesperado, se não nos tornamos apenas executores de ideias pré-concebidas.
A completude deste projeto se dá nos relatos dos meus alunos e ex- alunos sobre o desdobramento deste aprendizado, quando realizam, em suas escolas, ou em ONGs, a pintura de postes, com crianças de diversas idades, inclusive com a Educação Infantil. Para mim, idealizadora do projeto, saber que está sendo replicado por crianças e jovens de escolas diversas, me deixa muito satisfeita, pois um dos principais objetivos das minhas aulas no curso de Pedagogia é despertar a criação, muitas vezes adormecida e desacreditada nos alunos. Uma vez acordada, os alunos passam a ter condições de entender a importância da arte como meio de expressão e comunicação. A experimentação traz subsídios sólidos e consistentes para a transmissão, portanto, as crianças e jovens podem ter a possibilidade, através da arte, de intervirem na paisagem urbana, exercendo assim a cidadania com criatividade.
Ana Tatit é professora do curso de Pedagogia e da Pós-graduação “A arte de ensinar arte” no Instituto Singularidades. Contato: [email protected]