A formação do professor polivalente e o medo de ensinar Matemática.
Trataremos, neste artigo, de três aspectos, ou camadas de aproximação e exploração, que são desenvolvidas nas disciplinas de Didática do Ensino de Matemática, no curso de Pedagogia do Instituto Singularidades. Esses aspectos são importantes para que ocorra a necessária busca pela superação do sentimento de impotência e fracasso na formação matemática que, se não cuidado, pode ser legado às novas gerações de crianças, adolescentes e jovens. É preciso romper o ciclo de má formação.
Superando o temor ao conhecimento matemático e reagindo
O primeiro aspecto é o reconhecimento de que temos limites, mas também muitas potencialidades e possibilidades de mudança. A angústia que alguns estudantes de Pedagogia trazem de sua relação com a Matemática nasce, quase sempre, de sua empática relação com os educandos, os quais estarão futuramente encarregados de ensinar.
Preocupam-se em como irão lidar com qualidade. Essa preocupação deve ser encarada para além da constatação de que algo vai muito mal em termos de sua preparação, mas uma positiva e legítima inquietação que pode ser revertida em processos de redescoberta de suas potencialidades. A etapa inicial é o acolhimento solidário que respeita o temor, a insegurança e, muitas vezes, a fuga em lidar com o ensino da Matemática. No curso de Pedagogia, partimos do pressuposto de que são questões que deveremos respeitar, lidar e apoiar, ao contrário de criticar. Buscamos oferecer caminhos, respeitando os processos individuais dos(as) futuros(as) professores(as).
Estudamos autores que tocam nesse “medo”, ouvimos relatos de quem superou estigmas, oferecemos apoio técnico em cursos extracurriculares gratuitos para ensinar matemática básica aos estudantes da Pedagogia e, acima de tudo, desmitificamos a imagem de que a Matemática é algo relegado a gênios privilegiados, buscando superar o estereótipo de que a Matemática é a “terra abstrata dos conhecimentos difíceis”.
Oferecendo um currículo necessário
O segundo aspecto é o cuidado em oferecer aos estudantes de Pedagogia uma matriz curricular de qualidade para o ensino de matemática. Infelizmente, na maioria dos cursos de Pedagogia, há pouquíssimo cuidado com a pesquisa, com a relação prática e teoria, com o processo de construção pessoal e interpessoal do futuro profissional. Falta um processo mais artesanal e menos modular, o que contrasta com o que de fato as escolas têm ansiado: um profissional mais autor, criativo e aberto às complexas relações que a docência exige.
Temos optado por oferecer Didática de Matemática em nosso curso com uma extensa carga horária que abrange, inclusive, horas de estágios em escolas públicas e privadas. Deste contato a longo prazo têm nascido interessantes projetos de pesquisa acadêmicas de conclusão de curso tendo a Matemática como tema.
Saber os conceitos matemáticos não é suficiente
O terceiro aspecto vai além do saber conceitual. É preciso desenvolver a sensibilidade e as boas atitudes. Sabemos que esta preparação do pedagogo não ocorre apenas nos anos de sua formação inicial, mas também ao longo dos muitos anos de sua formação contínua e em serviço. Uma atitude mais consciente e profunda, uma dimensão mais crítica sobre o seu pensar e fazer, um domínio compartilhado de práticas, técnicas, protocolos bem sucedidos, que reforçariam a qualidade da experiência.
Temos convocado os(as) alunos(as) a se engajarem em sua formação contínua e a não se desmotivarem com a realidade de muitas escolas, não deixarem de acreditar em suas capacidades e a se comprometerem com o que temos chamado de processo de humanização da Matemática, em curtas palavras, a concepção de que essa área do conhecimento é fruto da inventividade criativa e curiosa das pessoas e não de divindades.
A verdade é que é possível, nos moldes de grande parte dos cursos superiores de formação de professores, passar ao largo dessas questões e, sem enfrentar diretamente aquilo que lhes aflige, futuros professores que tiveram uma formação deficiente na Educação Básica, poderão ensinar bem mais do que conhecimentos da Língua, das Artes, da Biologia, da Geografia: ensinarão, mesmo que não queiram, o medo da Matemática.
Para além de um conjunto de conteúdos e técnicas de ensino matemático, há toda uma carga afetiva transmitida pelo educador ao estudante, e, se esta formação do profissional se encontra deficiente, é válido afirmar que é grande a possibilidade deste legar uma “herança maldita” aos seus discípulos. Portanto, o papel do(a) professor(a) envolve um grau de responsabilidade muito grande em relação a como se dará essa apropriação do conhecimento e, consequentemente, como se dará a aprendizagem da Matemática para o estudante durante o processo de ensino-aprendizagem. O papel dos valores e emoções no processo de ensino-aprendizagem é fundamental para a experiência ser positiva ou negativa.
Então, onde chegamos?
“Aprendemos mesmo quando falhamos em nossas apostas; avançamos mesmo quando concluímos o oposto do que projetamos. O risco de um projeto dar errado é constitutivo de sua natureza criativa: sem a possibilidade do erro não existiria espaço para criação.”
(Nilson José Machado)
Como afirma Nilson, errar é constituinte de um caminho construído, mas apenas constatar essa condição não basta para aprendermos com os erros.
É preciso acolher o “medo docente”, pois este não é infundado. Ao mesmo tempo, as instituições devem oferecer possibilidades de superação, tais como cursos extracurriculares, de apoio à aprendizagem, que reaproximem positivamente o professor em formação dos saberes matemáticos, um dos objetos primordiais de sua prática polivalente. Também é preciso acolhê-lo psicologicamente, pois estamos diante de um mal-estar de nossos dias, o estigma dos “sem números”, dos que se consideram “analfabetos matemáticos”. Para além dos discursos redentores, ou do tom de autoajuda, é preciso efetivar práticas significativas na formação do professor polivalente em Matemática. Colocar o estudante de Pedagogia em imersão prática nos estágios e acompanhá-lo, problematizando a sala de aula e seus desafios sob a perspectiva das teorias significativas em educação matemática, que buscam humanizar esta Ciência, no sentido de aproximá-la dos homens e apresentá-la como fruto de sua inventividade.
Com bons resultados temos mobilizado os estudantes de Pedagogia e da licenciatura em Matemática do Instituto Singularidades a conhecerem os estudos da Etnomatemática, da História da Matemática, do lúdico e da problematização como vetores de significado para o público-alvo nesta faixa etária. Também temos trazido para o universo da Matemática as discussões sobre os encaminhamentos didáticos e as potencialidades da organização do conhecimento em torno de projetos.
A partir daí vislumbramos um novo ciclo, agora virtuoso, em que uma geração de educadores deixará como herança amantes da Matemática e não refugiados das ditaduras numéricas.
Guilherme Santinho Jacobik é professor do curso de Pedagogia do Instituto Singularidades. Contato: [email protected]
Ana Maria Van Langendonck Florio de Andrade é Pedagoga formada pelo Instituto Singularidades.